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Juliano Spyer - Folha

 

O eleitor antipetista está deixando de ser branco, masculino e escolarizado para se tornar preto, feminino e periférico. O que isso quer dizer?
 

O eleitorado evangélico votou desproporcionalmente a favor de Bolsonaro em 2018. E as pesquisas de opinião indicam que a maioria dos evangélicos tentará reelegê-lo este ano. Mas prestar atenção nas consequências imediatas disso esconde o maior desafio: considerar que, em breve, candidatos a prefeito, governador ou presidente não serão eleitos sem ter o apoio desse campo religioso.

 

O pleito de 2018 fez o cientista político Victor Araújo dar um cavalo de pau em sua pesquisa de doutorado. A um ano de entregar sua tese, ele mudou o tema para examinar o que acontecerá quando evangélicos forem um grupo majoritário no Brasil. O resultado desse estudo está no livro "A Religião Distrai os Pobres?" (Almedina), lançado em junho.

 

A primeira pergunta que Victor responde é: sobre quem estamos falando quando falamos de evangélicos? O termo "evangélicos" confunde mais do que explica porque junta perfis muito diferentes. Para pensar o futuro do país, ele propõe, devemos observar os neopentecostais, por vários motivos.

 

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O ex-presidente Lula, candidato à presidência em 2022 - Marlene Bergamo/Folhapress
 

As tradições protestantes chamadas de "históricas" —batistas, presbiterianos etc.— pararam de crescer em 2000, segundo o Censo. Já neopentecostais de igrejas como Assembleia de Deus, Renascer em Cristo, Universal do Reino de Deus e Deus é Amor representam hoje 20% do eleitorado e, mantendo a curva de crescimento, serão 40% dos votantes até 2040.

 

E neopentecostais têm perfis demográficos que, na década passada, representavam o de eleitores do PT: são predominantemente mulheres não brancas e pobres. Aproximadamente dois terços deles, segundo Victor, ganham até dois salários mínimos. E desde 2010 esse segmento vota de forma consistente contra o PT e é mais enfático nesse sentido do que outros grupos no país.

 

Ou seja, os eleitores neopentecostais que rejeitam o PT têm outro perfil em relação ao antipetista "original", descrito como sendo branco, mais escolarizado, masculino e defensor de pautas anticorrupção. Segundo Victor, esse novo antipetismo é ao mesmo tempo pobre e vota contra aqueles que defendem políticas de redistribuição de renda como o Bolsa Família.

 

Por que isso acontece?

 

Para Victor, a grande rejeição ao PT é consequência do conservadorismo moral em relação a temas como homoafetividade, aborto e legalização das drogas. O eleitor neopentecostal também consome mais informações nos ambientes da igreja e, por isso, confia cinco vezes mais em suas lideranças do que protestantes tradicionais ou católicos, por exemplo. Mesmo quando a economia vai mal, esse grupo crescente de brasileiros vota a partir da dimensão moral.

 

Me lembrei do livro do Victor ao receber a mensagem de uma amiga da Assembleia de Deus. Preta, alfabetizada tardiamente, ela trabalhou a vida toda como faxineira. Há quase dez anos conversamos regularmente —entre outros assuntos— sobre política. Ex-eleitora do PT, ela votou em Bolsonaro em 2018 e deve repetir a escolha este ano.

 

Recentemente ela me mandou quatro vídeos pelo WhatsApp e depois áudios comentando esse conteúdo. São vídeos sutilmente manipulados, de até 30 segundos cada, aparentemente gravados por celular em manifestações de rua. Três deles têm como foco mulheres que, em um ambiente festivo de protesto, mostram seus corpos e cantam refrões como: "Chupo… E se me der eu chupo até a do capeta". E: "Direito ao nosso corpo, legalizar o aborto". E ainda: "Sou maconheira, sou feminista". Estão em ambientes abertos com bandeiras vermelhas de partidos de esquerda e faixas dizendo "Fora Bolsonaro".

 

Nos áudios, essa amiga me pergunta: "como essas pessoas acham que podem nos representar? Esses vídeos não são montagens. Elas dizem ‘Fora Bolsonaro’, que Bolsonaro é sujo, é terrível, mas olha o tipo de liberdade que elas defendem! Olha o tipo de pessoas que representam a esquerda".

 

Esses vídeos chegaram a minha amiga via interlocutores evangélicos, mas há mais nesse material do que ela percebeu. O truque está em apresentar a parte (progressistas) pelo todo (esquerda), como se ser de esquerda tivesse mais a ver com debates morais do que com a pauta da redução da pobreza.

 

Um marqueteiro político que trabalha há 20 anos fazendo campanhas majoritárias —e que pediu para não ser identificado— explicou: "O que mata a charada é a ‘assinatura’ no final dizendo: ‘Fora Bozo, exigimos abortar, queremos usar drogas, não queremos gênero.’ É uma peça de guerrilha virtual bem pensada, feita para parecer um vídeo de esquerda, que promove o medo sobre o que aconteceria, especialmente com as crianças nas escolas, caso Lula fosse eleito."

 

O truque está funcionando: as últimas pesquisas mostram o crescimento do apoio a Bolsonaro entre evangélicos. Mas o Brasil do futuro, predominantemente pentecostal, não rejeita a agenda redistributiva que combate a desigualdade. Eles fazem isso hoje, em parte, opondo-se a posicionamentos progressistas. E em parte pela influência de lideranças das igrejas, que circulam conteúdo falso apresentando a esquerda como sendo sinônimo de progressista, uma distorção calculada e eficiente.

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